“No governo do Pará, o salário do servidor é sagrado”

Em entrevista, a secretária de Administração do Pará e presidente do Consad, Alice Viana, fala sobre as medidas de contenção do governo diante do cenário de crise econômica que afeta os estados brasileiros. A titular da Sead também comenta as estratégias para manter os investimentos em áreas cruciais e a governabilidade, o esforço para manter o salário do funcionalismo em dia, a gestão compartilhada com organizações sociais, o pacto federativo e a realização de concursos públicos. Confira:

Mesmo em proporção menor do que em outros estados, a crise chegou ao Pará. Como é possível se equilibrar nessa corda bamba?
Com austeridade e responsabilidade. O Pará tem feito um esforço permanente de gestão fiscal e financeira. De forma rigorosa, temos efetuado o controle das despesas. E não só as despesas de pessoal, mas também de custeio da máquina administrativa do Estado. Além disso, os investimentos se dão na proporção da necessidade. Mas isso não quer dizer que a crise não nos afete. Afeta. Tanto é que adotamos medidas de contenção desde 2013. Temos esse relativo conforto graças a uma gestão fiscal e financeira responsável.

Mas, além de gastar menos, não é preciso arrecadar mais?
Lógico. O Pará também investiu muito nos mecanismos de arrecadação. A história recente tem mostrado como as novas receitas, como a taxa mineral e a taxa de recursos hídricos, têm permitido um amplo programa de investimentos em infraestrutura e logística, atraindo novas empresas para se instalarem no Estado. Recentemente, vimos a chegada de uma indústria, a Votorantim, em Primavera. Temos outras em vias de instalação e mais empreendimentos estão sendo firmados, com um trabalho sério de atração de investimentos sendo realizado pela Sedeme [Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia] e Codec [Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará], órgãos do governo com esse objetivo. Isso tudo aquece a economia, gerando mais empregos e ainda mais receitas neste momento em que o fantasma do desemprego assusta o Brasil e as arrecadações se retraem de Norte a Sul.

Como expandir a receita em plena recessão?
É muito difícil, mas não é impossível. A saída é aprimorar a arrecadação, brigar pelo resgate das transferências e compensações da União, criar mecanismos que não atinjam o cidadão, e ser cauteloso com os gastos. A equipe da Sefa [Secretaria de Estado da Fazenda] tem trabalhado muito nesse sentido. O fato é que, por outro lado, nesta conjuntura, não se permite a ampliação de despesas. Não se efetuam reajustes de salários. O mais importante agora é garantir o emprego e o pagamento do funcionalismo, assim como a prestação de serviços para a sociedade.

Então, a gestão responsável serve como vacina contra a crise?
Eu não diria vacina, porque o Pará não está imune à crise. Ela também nos afeta. Mas, sem dúvida, as cautelas adotadas melhoram a nossa resistência. Em outros estados, como a imprensa nacional tem destacado, apresentando exemplos do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Brasília, os efeitos da crise foram mais graves porque se somaram aos efeitos do comprometimento de receitas e do desequilíbrio fiscal – fatores que soubemos evitar aqui. Aqui, a decisão foi no sentido de não assumir compromissos futuros que simplesmente não podem ser cumpridos, e que hoje já são inclusive negados pela própria lei de finanças públicas, recentemente aprovada no Congresso Nacional.

A crise pode levar ao atraso de salários, como se deu no Rio de Janeiro?
Não, isso não. O Governo do Estado desenvolve há algum tempo um controle rigoroso de despesas e dos gastos com pessoal, para que não extrapolemos nossa capacidade de pagar. O pagamento do funcionalismo é uma prioridade do governo e um compromisso do governador Jatene. O salário do servidor é sagrado. Não existe risco de atraso ou parcelamento. Mas é claro que a crise nacional se reflete aqui. Por isso, desde 2013 temos aprimorado os mecanismos de gestão, controlando despesas e gerando receitas. Com o agravamento da crise, há um esforço para pelo menos manter a arrecadação no nível que está, já que em todo o País as receitas estão em queda.

Mas a política de remuneração fica prejudicada neste contexto?
Infelizmente, sim. Em um cenário de crise, temos que otimizar cada vez mais os recursos disponíveis para que possamos manter os salários em dia e melhorar a prestação de serviços, sem correr riscos de colapso, como houve em outros estados e a imprensa destacou. As transferências federais estão em queda, o País em recessão, o desemprego em alta, a inadimplência em ascensão, o setor produtivo em xeque, o setor público em apuros. Não se pode pensar em reajuste, o que na prática impacta o tesouro, neste contexto. Para o cidadão, o mais importante, agora, é manter o emprego e receber em dia. Isso o Pará tem garantido.

Os servidores têm essa percepção?
Os servidores do Estado do Pará foram muito cooperativos neste processo recente. Até 2015, o Governo do Estado garantiu ganhos reais para todas as categorias sindicais. O menor ganho real, descontada a inflação, se deu em torno de 6%. Todas as categorias tiveram aumento real de salários em maior ou menor escala. E isso fez com que houvesse uma compreensão maior dos servidores, diante das atuais limitações do Estado. Não adianta estabelecermos uma política de aumentos neste momento que não teremos condições de pagar no mês subsequente.

Mas alguns não pensam assim…
As categorias que apostam no caos não estão preocupadas com a sociedade. Seus movimentos têm um viés político muito forte, com o claro objetivo de desestabilizar o governo, visando projetos pessoais ou de grupos partidários. Felizmente, a retórica do caos já não seduz tanto como antes, porque esbarra na realidade. Os servidores públicos do Estado são extremamente responsáveis e compreendem o momento econômico difícil que o País vive, reconhecendo nosso esforço em manter o equilíbrio fiscal, o emprego e os salários em dia.

Alguma categoria fica prejudicada com esse freio nos reajustes?
Não fica, porque antes da crise houve muitos avanços. Algumas categorias recebem bem acima da média dos estados brasileiros. Os professores, por exemplo, têm a quinta melhor remuneração do País. Delegados, escrivães de polícia e policiais militares estão entre os melhores salários do Brasil nas suas categorias, e nós sabemos que elas já ocuparam os últimos lugares nesse ranking, cinco ou seis anos atrás. Em 2011, a média de remuneração do servidor estadual era de R$ 2.500. Com a política estabelecida de 2011 a 2015, essa média dobrou para R$ 5 mil.

O que explica o caso da Cosanpa, que foi à greve e agora vai ao dissídio?
Na Cosanpa, a média de remuneração de um servidor de nível superior está acima de R$ 10 mil e do nível médio é de quase R$ 5 mil. É muito mais do que ganha a grande maioria dos trabalhadores. É evidente que essa greve não tem justificativa plausível, do ponto de vista econômico.

Você acha que o pedido de 15% de reajuste é surreal?
Eu diria que esse pedido é desproporcional. Vamos falar o português claro. Hoje, 95% da receita da Cosanpa são consumidos com pagamento de pessoal. Sobram 5% para manutenção e investimentos. Como uma empresa pública tem condições de financiar a melhoria do sistema de abastecimento de água desse jeito? A conta paga pelos consumidores, cujos recursos deveriam ser revertidos em benefício do sistema, financia somente os salários. É uma incoerência. Aumentar esses salários além da capacidade de pagá-los, jogando a conta para o cidadão, é um desrespeito.

Como resolver esse impasse sem prejudicar ainda mais o cidadão?
É necessário fazer um acordo com o sindicato pela recuperação da empresa. Um acordo que atrele metas, desempenho e melhorias no sistema de abastecimento e arrecadação. É imperativa a redução do comprometimento da receita com a folha de pessoal para que haja capacidade de manutenção dos serviços e dos salários dos empregados, e não apenas dos salários. Não estou presente nessas negociações, mas tenho acompanhado porque é uma situação delicada. Solicitar aumento real numa economia em crise e dadas as condições da Cosanpa não traz ganho algum para a sociedade, pelo contrário.

Como foi possível abrir concurso para três mil vagas na segurança em plena crise?
A política de renovação no quadro de pessoal do Estado é permanente, na medida em que efetuamos as substituições de servidores temporários e também fazemos a reposição de mão-de-obra, em virtude de aposentadorias, desligamentos e afastamentos. Então, há necessidade dessa reposição sistemática. Nós iniciamos pela área de segurança pública, com o concurso do Corpo de Bombeiros, seguido da Polícia Militar e Polícia Civil. Para publicar os editais, em todas as áreas, apenas esperamos a adequação das despesas com pessoal aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, evitando maiores aumentos de gastos com a folha de pagamentos.

Não há setores que precisam de mais gente, e não apenas substituições?
Um dos desafios da gestão pública é equacionar a necessidade da sociedade por serviços com a capacidade do Estado de atendê-la. Mas isso não se resolve apenas com contratações. Na saúde, por exemplo, o que temos feito é não somente a substituição, mas a reestruturação do modelo de gestão. Em muitas situações você não precisa ter um excedente de força de trabalho para repor. Nesses casos, é possível realocar e não apenas substituir, revendo práticas de gestão para gerar maior produtividade. De fato, houve na saúde uma expansão significativa da demanda e também da prestação de serviços. Principalmente, com a criação dos hospitais regionais e a repactuação ou expansão de hospitais municipais. Para atender a essa demanda, que em momentos de crise cresce ainda mais, foi-se procedendo à contratação de servidores em regime temporário, cuja substituição é uma exigência legal.

Nos hospitais regionais, a gestão é das organizações sociais, as chamadas OSs. Esse é o caminho?
É um bom caminho, mas não é a solução para tudo. Por que não podemos ser tão eficientes quanto o setor privado na função pública? Eu acredito que podemos, desde que tenhamos responsabilidade e criatividade. O setor privado tem muito a ensinar ao setor público e o setor público tem muito a contribuir com o setor privado. Essa aproximação faz bem aos dois lados e, por extensão e pelos resultados, faz bem à sociedade. É preciso exercitar mais a parceria público-privada. As organizações sociais são um híbrido entre privado e público, mas sob regência do governo, o que garante a prestação do serviço de saúde gratuito e universal para todos os cidadãos, que não precisam pagar nada por nenhum serviço em hospital público, seja qual for a gestão, pois já pagam indiretamente através dos impostos.

Então, a integração é fundamental?
Fundamental é melhorar a prestação de serviços. Os hospitais regionais são um bom exemplo. As unidades da Estação Cidadania são outro bom exemplo. As UIPPs [Unidades Integradas Pro Paz] também são emblemáticas, num belo trabalho desenvolvido pela Segup [Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social]. O importante é atender a sociedade de forma digna e rápida. Unir esforços para aperfeiçoar o uso dos recursos na prestação de serviços integrados. O governador incentiva e cobra muito a integração. Ainda há muitos desafios e nós estamos enfrentando todos eles.

E o desafio da previdência, secretária? Como deter essa bola de neve?
Este desafio não é só do Pará, mas do Brasil. O modelo de financiamento da previdência no País está falido e nos estados não é diferente. Existe uma preocupação nacional sobre este tema, que já está na pauta do Congresso, mas é fundamental que os governadores também sejam ouvidos nesse debate. A situação é preocupante. No Pará, temos 106 mil servidores ativos e 50 mil inativos. Para um crescimento de cerca de 8% no número de ativos, desde 2011, nós tivemos um aumento de 51% de inativos! O grande estoque de aposentados é pago pelo recurso direto do tesouro do Estado. É preciso rever essa equação.

Você já esteve dos dois lados de uma mesa de negociações. No passado, assessorou sindicatos. Hoje, representa o governo. O que mudou?
É verdade. Eu tive a grata felicidade de, no início da carreira, ter trabalhado no Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Pará]. Foi uma escola e me orgulho dessa formação. Graças a ela aprendi a lidar com ambos os lados. Fiz minha opção por acreditar que posso contribuir muito desempenhando o papel de gestão no Estado. Acredito que o movimento sindical daquela época era diferente. Hoje, o corporativismo influi mais do que antes. Além disso, uma coisa é você discutir a relação de um empregado com uma empresa privada, que obtém lucro, e outra é a relação do servidor com o Estado. Qual é o lucro que o Estado aufere? As dificuldades, as disparidades que tem de administrar? Na época em que trabalhei no Dieese, assessorava o setor sindical muito mais junto ao setor empresarial, sem grande envolvimento com as categorias de servidores públicos. Na época, não havia essa captura maior, vamos colocar assim, do movimento sindical em relação às instituições. Há valores distintos nessas negociações. Não dá para tratar da apropriação do capital em relação ao trabalho no caso do Estado, pois o Estado não tem lucros a dividir. Os servidores públicos fazem uma escolha pelo trabalho coletivo. Não se pode comparar. É como comparar laranja com banana.

A sociedade entende seu papel, com decisões nem sempre simpáticas?
Acho que hoje, sim, há uma compreensão maior. É um papel difícil, porque lidamos com muitos interesses e a responsabilidade é enorme. Todos os dias a gente acorda com uma agenda pesada e muitas preocupações, e sempre há situações que ferem os interesses de uma ou outra categoria de servidores. Mas a sociedade tem demonstrado maturidade para entender isso, na medida em que compreende o dever do Estado de atender à coletividade. Tenho recebido manifestações de solidariedade, carinho e até de cuidado comigo em relação a certas situações de tensão. O governador Jatene mesmo sempre diz que, entre ser simpático e ser responsável, ele fez a opção de ser responsável. E creio que ele foi eleito para isso mesmo.

É difícil dizer não diante de reivindicações legítimas?
É uma questão de responsabilidade. O governo não diz não a priori. Só diz não quando é impossível dizer sim. A missão maior do Estado é prestar serviços coletivos e isso só é possível se os recursos forem bem administrados e repartidos na proporção daquilo que é igual e na medida da necessidade. Nem sempre a gente tem a resposta que querem ouvir, mas o cuidado com a gestão é extremo. Nossa preocupação, além de gestora, é também como servidora. Estou secretária, mas sou uma servidora pública de carreira. Acredito que eu tenha esse respeito em relação ao papel que exerço, porque todo dia o Brasil nos mostra que precisamos rever muitas práticas de gestão pública.

O Pará fechou 2015 no azul, tem a menor dívida pública, pesa na balança comercial… Por que isso não se reflete na renda da população?
Ainda temos muito a expandir em desenvolvimento socioeconômico. Somente essa expansão pode reverter o paradoxo do Estado rico com população pobre. Não temos ainda a internalização dessa riqueza, que é o que o governador Jatene está buscando para combater a desigualdade e a pobreza. A história recente demonstra que o modelo desenvolvimento que preconiza os grandes projetos de ocupação e exploração da Amazônia não internaliza as nossas riquezas, apenas as explora e deixa um grande rastro de pobreza.

Como reverter isso?
É preciso ampliar a capacidade de atração de novos investimentos, desenvolver o potencial econômico das riquezas em recursos hídricos, minerais e florestais. O desenvolvimento tem de ser integral. Não por acaso, o governo lançou um plano de longo prazo, o Pará 2030. A finalidade é gerar mais riquezas, maiores receitas e ampliar a oferta de empregos, para que tenhamos no longo prazo uma reversão da situação social de hoje. Potencial nós temos. Somos reconhecidos mundialmente como um dos estados com maior capacidade de desenvolvimento socioeconômico.

Mas esbarramos, por exemplo, em um pacto federativo injusto…
Sem dúvida. O pacto federativo precisa de fato ser revisto. O que se vê é uma guerra fiscal em que há privilégios para determinadas regiões e sacrilégios para outras. Nós sofremos isso, por exemplo, com a desoneração das exportações. É preciso que haja um critério de apropriação que observe as contribuições e necessidades de forma proporcional. O modelo de pacto federativo e de desenvolvimento econômico e social do País deve tornar mais iguais os estados, observando as potencialidades e o potencial de suas contribuições. Hoje, o que temos é o critério da disparidade.

O Pará perde R$ 2 bilhões por ano com a desoneração. Não é esdrúxulo?
É um enorme contrassenso, exatamente pela falta do exercício da política de regulação, que cabe à União e ao Congresso. O estado brasileiro precisa rever seu próprio modelo, construir um amplo pacto federativo que leve à superação dessas desigualdades sem privilegiar Sul e Sudeste, como tem sido feito, e sem impor aos estados da Amazônia, como se impõe hoje, a expropriação de riquezas e um imenso passivo social. O Pará tem o terceiro melhor desempenho de arrecadação do País, mas isso ainda não é suficiente para que tenhamos salários mais altos e estruturas maiores de gestão e a população não tem o retorno na mesma proporção. Isso é esdrúxulo e suas causas precisam ser revistas.

Há quem defenda uma constituinte para essas reformas. É viável?
É difícil. Não que não seja viável. O fato é que a nossa Constituição é sólida. É jovem, mas abrangente. Não creio que seja necessária uma reforma integral da Constituição. É uma das mais modernas já promulgadas. O que falta é valorizar mais as leis e regulamentar alguns aspectos específicos.

É possível promover as reformas com o Congresso que temos hoje?
Se o Congresso é capaz de fazer isso? Ainda não refleti profundamente sobre o assunto, mas acredito que temos instituições sólidas e que precisam ser respeitadas. Hoje é necessário muito mais um exercício de aplicação e de regulamentação de determinados aspectos do que propriamente reforma. Talvez a criação de um grupo para estudar esses aspectos seja mais interessante do que uma Constituinte. Como já foi feito, por exemplo, na reforma do Código Civil e do Código Penal, que são derivações da Constituição-mãe, sem que houvesse reforma integral. Eu acho que a gente não tem maturidade, com o Congresso que está aí, prefiro dizer assim, para uma nova constituinte.

Que manchete você gostaria de ver nos jornais ao final do governo?
“Pará é excelência em prestação de serviços”. Esta é uma manchete que me encheria os olhos. Mas para isso é preciso que todos nós, gestores, servidores e cidadãos, busquemos esse nível de excelência, cada um cobrando seus direitos mas também assumindo seus deveres. E quem diz isso não é a secretária de Administração do Pará. É a cidadã Alice Viana, pois, antes de qualquer coisa, é isso que sou: uma cidadã.